RENÚNCIA RECÍPROCA À CONDIÇÃO DE HERDEIRO LEGITIMÁRIO NA CONVENÇÃO ANTENUPCIAL


A Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto, introduziu uma mudança significativa no Código Civil Português, permitindo aos cônjuges renunciar reciprocamente à condição de herdeiro legitimário na convenção antenupcial.

Anteriormente, independentemente do regime de bens adotado no casamento, os cônjuges tornavam-se automaticamente herdeiros legitimários um do outro, ou seja, o cônjuge sobrevivo era sempre chamado à herança do cônjuge falecido.

A partir de 1 de setembro de 2018, com esta alteração legislativa, os cônjuges podem, por meio da convenção antenupcial, renunciar reciprocamente à condição de herdeiro legitimário. Contudo, essa possibilidade só é admitida no regime da separação de bens. Caso o regime geral ou o de adquiridos seja adotado, esta lei não se aplicará e nenhum dos cônjuges poderá renunciar à sua qualidade de herdeiro legitimário. Essa limitação é justificada pelo princípio da imutabilidade das convenções antenupciais (artigos 1714.º e 1715.º do Código Civil).

O legislador teve o cuidado de não desproteger totalmente o cônjuge sobrevivo que renunciou à herança. A renúncia não afeta os direitos do cônjuge sobrevivo à pensão de alimentos nem às prestações sociais por morte. Adicionalmente, as liberalidades feitas em favor do cônjuge sobrevivo que renunciou à sua posição de herdeiro legitimário não serão consideradas inoficiosas, até ao montante correspondente à legítima do cônjuge, caso a renúncia não existisse.

No que se refere à casa de morada de família após a abertura da sucessão, a lei também trouxe alterações relevantes. Foi adicionado o artigo 1707.º-A ao Código Civil, estabelecendo que, mesmo que a casa de morada de família seja propriedade do cônjuge falecido, o cônjuge sobrevivo poderá permanecer nela, desde que, à data da abertura da sucessão, já tenha completado 65 anos de idade. Caso ainda não tenha completado 65 anos, o cônjuge sobrevivo terá um direito real de habitação por um prazo de cinco anos, prorrogável pelo Tribunal em caso de carência da família. Contudo, esse prazo caducará caso o cônjuge sobrevivo não habite na casa por mais de um ano, por motivos que lhe sejam imputáveis.

O cônjuge sobrevivo que possua casa própria no concelho da casa de morada de família, ou neste ou nos concelhos limítrofes se esta se situar nos concelhos de Lisboa ou Porto, não terá direito a habitar a casa de morada de família. O legislador parte do princípio de que o cônjuge sobrevivo que renunciou à herança não terá necessidade de continuar a habitar na referida casa.

Por fim, é importante salientar que a renúncia à condição de herdeiro legitimário pode ser condicionada à sobrevivência ou não de quaisquer sucessíveis ou outras pessoas e não precisa ser recíproca entre os cônjuges. Dessa forma, é possível que apenas um dos cônjuges renuncie à sua condição de herdeiro legitimário, enquanto o outro mantém seus direitos hereditários.

Em síntese, a Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto, trouxe uma importante alteração no Código Civil Português ao possibilitar aos cônjuges a renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário na convenção antenupcial, desde que observadas as condições específicas estabelecidas pela legislação. Essa alteração confere maior autonomia e flexibilidade aos cônjuges na gestão dos seus bens e interesses, permitindo que estes adequem o regime de bens e a sucessão às suas necessidades e expectativas particulares. Contudo, o legislador teve o cuidado de preservar a proteção do cônjuge sobrevivo em relação a direitos fundamentais, como a pensão de alimentos e a habitação, mesmo em casos de renúncia à herança.



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